INVESTIGADORES
SKLIAR Carlos Bernardo
libros
Título:
O ensinar enquanto travessia
Autor/es:
CARLOS SKLIAR
Editorial:
EDUFA - Editora da Universidade Federal de Bahía
Referencias:
Lugar: Salvador de Bahía; Año: 2014 p. 182
ISSN:
978-85-232-1290-2
Resumen:
É preciso quebrar as palavras e juntar o que está separado na gramática oficial da nossa língua materna para "com-versar" com Skliar, sua "obratravessia" e os perfumes que emanam, invadem e deslocam nossa imaginação. Nesse jogo de sentidos que quebram e juntam palavras para encontrar o caminho dos sentidos da poética implicada do autor, fomos percebendo seu gosto pelos deslocamentos, sua aventura aventurosa que não tem medo da diferença e mergulha revelando faces, lados e ângulos dos sentidos do educativo. Skliar aproxima-se do que nossa colega antropóloga Conceição Almeida denomina de "intelectuais da tradição": "gentefonte" de sabedorias. Híbrido na sua compreensão eminentemente sensível da educação, Skliar navega em águas serenas e turbulentas, tocando de forma sutil e fecunda margens do conhecimento acadêmico e da sabedoria impura, profana, onde habita epifanias da experiência se fazendo, os saberes da experiência e da sabedoria. Emerge aqui sua poética rigorosa, um rigor outro que nos toca, que não nos deixa indiferentes. Eis seu etnométodo mais aguçado, se afastar do puritanismo científico. Ele nos oferece a possibilidade da experiência que altera, porque nos convida para atravessar com ele como bricoleurs, como flâneurs. Em sendo assim, inexiste nesta obra verdades integrativas. Neste momento lembro-me de Habermas. Nesta obra há o que se discutir, e se tem verdades, porque são discutíveis! Aliás, ainda inspirando-me nesta obra e falando de bricoleurs, este é um transgressor responsável, o bricoleur trai a ordem estabelecida querendo- se ético na sua intenção de ultrapassar os limites, as fronteiras, o que está prescrito. Despista as delimitações corriqueiras para pensar por um outro caminho, chegando, em geral, a outros portos, vistos comumente como não seguros, epifenomênicos, se não, ameaçadores. Como nos inspira Kincheloe, os bricoleurs apreciam a natureza multilógica do humano e tudo o que essa multiplicidade implica no esforço de interpretar e entender o mundo. Neste contexto complexo, marcado pela heterogeneidade, os bricoleurs são forçados a se tornarem os trabalhadores de fronteira, que labutam incessantemente para entender rearticular os diversos léxicos imaginativos que encontram nessas fronteiras. Em sua devoção, rejeitam a noção formalista de que há uma resposta para qualquer pergunta e que uma questão, em determinado domínio, tenha primazia sobre as outras. As ações da formação que acolhem o bricoleur não elegem a criação como propriedade de uma inteligência privilegiada, ou de pacotes avaliativos que visam enquadrar, de forma a colonizar a criação. Elas trabalham na sua totalidade em favor do imaginário, da radicalidade da sua capacidade de criar, de extirpar o medo da experiência. O bricoleur projeta-se, lança-se, por uma errância que se quer fecunda e implicada à criação. Configura-se no sujeito erótico em ação, está muito próximo do artista, do artesão. O bricoleur faz parte do élan vital necessário à itinerância e à errância heurísticas que buscam e encontram a experiência para vivê-la (in)tensamente. Não tenho dúvidas de como Skliar incorpora nesta obra o sentido pleno da bricolage. No caso do flâneur, seu caminho se faz ao caminhar, fala-nos a poesia de Antonio Machado. Caminhante curioso, de curiosidade aguçada, o flâneur busca a realização pelo deslocamento para experimentar novas paisagens, para encontrar contrastes e aprender olhando, passando, perguntando, experimentando, tocando, sentindo o gosto, ouvindo histórias, às vezes nunca narradas. A viagem é o seu ?método? preferido; parar em lugares imprevistos, para que a diferença se lhe apresente e o acrescente, é sua paixão do aprendente flâneur. Os não lugares lhe atraem profundamente, porque o obriga a produzir pelo olhar atento, novos sentidos, novas aprendizagens fronteiriças, híbridas. Seu caminhar é, muitas vezes, em zig-zag, rizomático, porque burla "os guardas de fronteiras", porque sabe que a trajetória inventada pela balística, na flânerie, é inimiga da compreensão dos infinitos pertencimentos simbólicos, com os quais interage e aprende no seu caminhar, no seu olhar, no seu experimentar. A cada investida, o flâneur se convence da necessidade de lutar contra a naturalização das culturas, das paisagens, das pessoas e seus etnométodos. Nada está dado para esse viajante desejoso de olhar, falar, conviver, por isso ele caminha aprendendo. A passagem das paisagens, as mudanças produzidas pelo movimento plural das culturas, das experiências, as entonações diferenciadas das falas, os cheiros e gostos dos lugares, a alternância dos ventos e da luz fazem bem à sua visão, à sua audição, ao seu olfato, ao seu paladar e aos seus poros. Seu desejo de andança aprendente é eterno enquanto durar a sua existência curiosa. Eis como percebo e encontro Skliar nesta obra. É isso que faz com que a obra que nos fala nos coloque diante de epifanias fecundas para trabalharmos a educação como mais-vida. Epifanias cognitivas, afetivas, éticas, políticas, estéticas, culturais, "juntas e misturadas", como gosta de falar o povo da Bahia de Todos os Santos, vão nos levando por trilhas que se entrecruzam, nos surpreendendo a cada encruzilhada, a cada paisagem criada. "Ensinaraprender" com verdades incertas, eis uma grande e sutil questão que acompanha a transversalidade deste livro que, ademais, cultiva com um cuidado zeloso o aparecer vital dos sentidos, das políticas de sentido, das lutas por significados educacionais.