INVESTIGADORES
BULLONI YAQUINTA Maria Noel
capítulos de libros
Título:
Introdução
Autor/es:
SEGNINI, LILIANA ; BULLONI YAQUINTA, MARÍA NOEL
Libro:
Trabalho artístico e técnico na indústria cultural
Editorial:
Itaú Cultural,
Referencias:
Año: 2016; p. 7 - 11
Resumen:
O artista no mundo das mercadorias vivencia constantes tensões entre o fazer artístico criativo e a compra e venda do seu trabalho, quer seja sob a forma do assalariamento quer do trabalho intermitente, financiado sobretudo por cachês e editais (SEGNINI, 2008). A materialidade que informa as relações de trabalho nesse contexto ainda é pouco analisada, apesar de seu expressivo crescimento. No âmbito específico dos estudos que têm o trabalho como cerne, as pesquisas que os relacionam com as formas de produção e as condições de trabalho no contexto da indústria cultural foram inicialmente realizadas nos Estados Unidos1 e na Europa.2 Na América Latina, esse movimento é ainda incipiente, traduzido em pesquisas pontuais realizadas nas duas últimas décadas. Com o intuito de melhor compreender as relações de trabalho nesse campo foi criado o grupo de trabalho (GT) O Trabalho Artístico e Técnico no Contexto da Indústria Cultural, no VII Congresso LatinoAmericano de Estudos do Trabalho ? realizado na Universidade de São Paulo (USP), de 2 a 5 de julho de 2013 ?, para estimular pesquisadores no campo das ciências humanas e sociais a discutirem teórica e empiricamente resultados de pesquisas que informam as relações de trabalho observadas nesse contexto. O número ainda restrito de análises já divulgadas aponta para algumas dimensões a serem aprofundadas, tais como o papel do Estado nesse processo, as formas de financiamento, a multiplicação de fundações, as organizações não governamentais e cooperativas, as formas intermitentes de trabalho dos artistas e técnicos, a produção por projeto e o trabalho flexível e frequentemente precário. Todas as dimensões citadas são observadas no trabalho em diferentes expressões artísticas, bem como no trabalho técnico que lhes dá suporte. Assim, arte visual, artes cênicas, audiovisual, música e dança constituíram campos de pesquisa para informar os objetivos desse GT. Pesquisadores de países latino-americanos responderam à proposta por meio de diferentes abordagens e temas, totalizando 21 artigos, dos quais 15 foram selecionados para integrar esta publicação, 11 em português e 4 em espanhol. A compilação que apresentamos é o resultado de pesquisas, estudos e reflexões elaborados sob diferentes perspectivas que fundamentam a singularidade da materialidade das relações de trabalho observadas nesse campo, sobretudo em países latino-americanos. Os trabalhos jornalístico, em video game e artesanal se somam e estabelecem diálogos que contribuem para melhor compreensão desse objeto de pesquisa. Parte I Organização e relações de trabalho técnico e artístico em sua materialidade: criação, flexibilização e instabilidade laboral A primeira parte desta publicação é composta de oito artigos que analisam as relações e condições de trabalho, no Brasil e na Argentina, em teatros públicos e estatais, bem como em atividades intermitentes observadas em casas de shows, na produção audiovisual e na representação do trabalho em filmes contemporâneos que privilegiam o jovem nesse universo. O trabalho técnico estabelece um diálogo comparativo com o trabalho artístico quer seja na música quer no audiovisual. Maria Aparecida Alves analisa a singularidade do trabalho dos técnicos de palco em estudo realizado no Theatro Municipal de São Paulo. São abordadas as relações e condições de trabalho desse grupo, bem como as tensões e contradições observadas nesse espaço, enquanto instituição pública inscrita nas regras do mercado. Trata-se de pesquisa pioneira nesse campo no Brasil. A questão do trabalho técnico, necessário para a realização do trabalho artístico, é também objeto da pesquisa realizada por María Noel Bulloni na Argentina. A autora analisa as características que adquire o trabalho no setor da produção do cinema publicitário na cidade de Buenos Aires. E reafirma o que foi observado em outras pesquisas desta publicação: trata-se de um dos setores que registram um dos maiores crescimentos da economia argentina nas últimas décadas. No entanto, apesar dos dados positivos relacionados ao crescimento e à qualificação de seus trabalhadores/técnicos, a organização produtiva é marcadamente flexível e intermitente, baseada em projetos, com contratos temporários de trabalho comumente de dois ou três dias de intensa dedicação. A instabilidade e a precariedade, salienta Bulloni, repercutem no processo de trabalho como um eficaz mecanismo de disciplinamento nesse campo. A análise do fazer artístico e técnico na construção do espetáculo carnavalesco é tema do artigo da pesquisadora Leila Maria da Silva Blass, no qual enfatiza o caráter necessariamente coletivo da produção artística. A autora reconhece a contribuição do rompimento das fronteiras entre concepção e execução para o debate teórico-metodológico. Ela destaca que ?fazer arte supõe, portanto, uma arte no seu fazer. Os atos criativos, enquanto processos de trabalho, se desenrolam com base em uma cooperação entre técnicos e artistas fundamentada no diálogo para que uma obra imaginada, projetada ou concebida por alguém se materialize e possa ser apreciada por outros?. Elos cooperativos calcados na confiança, mas também na autoridade, evidenciam a dimensão coletiva de toda a produção artística. Analisar as trajetórias de artistas selecionados pelo programa Rumos Itaú Cultural salientando aspectos do ofício do artista é o objetivo do artigo de Liliana Segnini. Nele é elaborada uma síntese dos resultados obtidos das entrevistas realizadas com artistas em três edições do programa ? música, dança e artes visuais ? no período de 2008 a 2010. Entre os achados da pesquisadora estão questões que apontam para tendências contemporâneas na realização do trabalho artístico, nas diferentes linguagens consideradas: a dependência do financiamento por meio de editais e cachês para a realização do trabalho artístico, que se torna intermitente, assim como o próprio trabalho do artista. O objetivo da análise elaborada por Dilma Fabri Marão Pichoneri em seu artigo é discutir a relação entre trabalho e qualificação no contexto do processo de reestruturação do Theatro Municipal de São Paulo, tendo como objeto de estudo os músicos que compõem a Orquestra Sinfônica Municipal (OSM). Assim, a autora verifica que, no interior da orquestra e nos demais corpos estáveis do teatro, diferentes situações contratuais são vivenciadas por esses artistas trabalhadores, principalmente no que se refere a vínculo empregatício, possibilitando formas precárias de trabalho que implicam graves prejuízos nas trajetórias profissionais desses músicos ? que já exigem constantes estudos e atualizações. Luciana Requião pesquisou as relações de trabalho nas casas de shows no bairro da Lapa, na cidade do Rio de Janeiro. Destaca esse ?fenômeno festivo que encobre os caminhos encontrados pelo capital para sua autoexpansão por meio da exploração de um nicho de mercado lapiano, amparado por uma imagem romântica que se construiu da Lapa (e que é reforçada pela propaganda que se faz do local) e pelo fetiche que envolve a prática musical e a imagem do artista. Ali vem se constituindo uma grande demanda pela força de trabalho do músico, ao mesmo tempo que se desenvolvem formas capitalistas de se apropriar de maneira eficiente dessa força de trabalho?. Não remuneração e formas precárias de trabalho se articulam com a questão da informalidade. As condições de trabalho na produção musical independente em Buenos Aires reiteram a relevância das instituições governamentais por meio das políticas públicas e do crescimento em número de artistas e trabalhadores, segundo Guillermo Martín Quiña. Seu artigo aponta que a precariedade é sinônimo de criatividade no grupo analisado. O artigo de Mercedes Potenze analisa as mudanças contemporâneas no mundo do trabalho por meio de sua representação ficcional em três filmes. São resgatadas as dificuldades enfrentadas pelos jovens, as condições às quais se submetem na relação com as especificidades no mundo do trabalho contemporâneo ? desemprego, trabalho flexível e precário ?, tanto em produções realizadas na Argentina (La Fiaca, 1969; Sólo por Hoy, 2001) quanto no Uruguai (25 Watts, 2001). Nessas narrativas, subjetividades expressas por meio de ironia, cinismo e oportunismo constituem também o foco analítico da autora. Parte II O trabalho artístico e a formação profissional: desafios e perspectivas atuais A relação entre trabalho artístico e formação profissional é analisada, sob diferentes perspectivas, em três artigos desta publicação. Questões relacionadas à relevância das igrejas evangélicas e das ONGs na formação de músicos dialogam com as condições de trabalho do artista na carreira de docente em uma instituição científica e pública. Patricia Amorim de Paula analisa em seu artigo a importância das igrejas evangélicas na formação de músicos brasileiros. Para tanto, observa a trajetória de estudantes do curso de música da Unicamp, coletando dados quantitativos que informam o número de evangélicos no curso e indagando-lhes as condições sociais de profissionalização e trabalho no Brasil. Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil, Igreja Presbiteriana, Igreja do Nazareno Central de Campinas e Igreja Batista constituíram o campo de pesquisa da autora a partir das informações obtidas junto aos estudantes da Unicamp. É revelada, em outras dimensões, uma tensão entre religião e música mascarada pelo exercício da vocação (WEBER, 2006). É possível romper com a pobreza por meio da arte, mais especificamente da música e da dança? Essa é a pergunta elaborada por Cacilda Ferreira dos Reis em seu artigo, que analisa os processos de formação e inserção profissional de percussionistas e dançarinos de dança afro-brasileira inicialmente no Brasil e, posteriormente, no mercado de trabalho na França. As configurações observadas nesse processo (ELIAS, 2005) possibilitaram que a autora desenvolvesse o tema considerando as dimensões de classe social e relações de gênero e étnico-raciais na constituição das redes sociais existentes na vivência dos processos migratórios. Nas três últimas décadas, foi observado o crescimento do número de cursos de graduação e de pósgraduação no campo da arte no Brasil, tendência já registrada em outros países ocidentais. Assim, o artista vivencia um curso universitário de formação profissional que possibilita que ele exerça a profissão docente e suas exigências acadêmicas e científicas numa instituição pública de ensino superior. Trata-se de uma das poucas formas de vivência de um vínculo de trabalho formal e estável para o artista. A análise de Carmen Lúcia Rodrigues Arruda em seu artigo indica as tensões e contradições entre trabalho artístico e formação profissional acadêmica quer seja no universo do trabalho artístico quer do trabalho científico. Parte III Questões metodológicas em outros campos culturais Na terceira parte desta coletânea, três artigos evidenciam questões metodológicas que indicam o estreito diálogo entre o campo do trabalho artístico e três outros universos de pesquisa: o trabalho no desenvolvimento de video games e no universo do jornalismo e do artesanato. Zangaro e Míguez analisam as características e implicações laborais para os trabalhadores que atuam no desenvolvimento de video games, na cidade de Buenos Aires, a partir de três eixos de reflexão: a força de trabalho, os controles e as formas de recrutamento e seleção. Roseli Figaro discute o trabalho no universo da comunicação e sintetiza os resultados obtidos em pesquisa realizada entre 2009 e 2012 com apoio da Fapesp. A autora destaca aspectos teóricometodológicos que indicam a centralidade da categoria trabalho ao considerar a lógica organizativa dos processos produtivos e as tecnologias de informação e de comunicação no jornalismo a partir da coleta de relatos de quem executa a função. As relações de trabalho nas redes de produção e comercialização do artesanato são o tema da pesquisa de Paulo F. Keller. Inicialmente, o autor discute as múltiplas faces implícitas nos trabalhos realizados com diversos materiais ? vime, fibra vegetal, couro, metal, cerâmica, têxteis e madeira ?, inscrevendo-os no campo cultural e comercial. Destaca-se que, apesar da relevância cultural e econômica do artesanato na América Latina, especialmente no Brasil, a ?invisibilidade? do trabalho que elabora o artesanato é conjugada com sua informalidade e com precárias condições de produção. Nota de pesquisa A complexidade das mudanças no trabalho do artesão que desenvolve patchwork quando O artista no mundo das mercadorias vivencia constantes tensões entre o fazer artístico criativo e a compra e venda do seu trabalho, quer seja sob a forma do assalariamento quer do trabalho intermitente, financiado sobretudo por cachês e editais (SEGNINI, 2008). A materialidade que informa as relações de trabalho nesse contexto ainda é pouco analisada, apesar de seu expressivo crescimento.