INVESTIGADORES
BLACHA Luis Ernesto
libros
Título:
Comensalidades em narrativas: estudios de midia e subjetividade
Autor/es:
FRANCISCO ROMAO FERRIERA; DENISE DA COSTA OLIVEIRA SIQUEIRA; BLACHA, LUIS ERNESTO; SHIRLEY DONIZETE PRADO
Editorial:
EDITORA CRV- EDUFBA
Referencias:
Lugar: Rio de Janeiro; Año: 2022 p. 294
ISSN:
978-65-5630-352-9
Resumen:
Uma das marcas daquilo que Bauman denominou metaforicamente de modernidade líquida (2001) foi o consumo massivo de bens e serviços associado à intensificação da produção em larga escala e dos simbolismos atribuídos às mercadorias. Na contemporaneidade, esse consumo se investe de narrativas, de falas, imagens para construir e pautar os mais diversos temas nas mais diferentes mídias. A comensalidade, como fenômeno social, não poderia escapar a essas narrativas, amplamente midiatizadas sobre o que e como comer. Trata-se de cenário em que narrativas midiáticas fazem-se presentes de modo destacado, orientando formações subjetivas diante dos objetos e dos sujeitos. Diferenciando-se de contextos mais estáveis ou de uma possível “modernidade sólida” (BAUMAN, 2006), da preponderância da razão, da ideia do homem como animal racional, as relações sociais contemporâneas estariam mais dirigidas pelos códigos sociais, pelos significados que a experiências sensíveis podem conferir. Nesse mundo de fragmentações, instabilidades, inseguranças, de viver cada momento em sua brevidade, de consumos velozes, de sentidos descartáveis, o que é sólido vai se desfazendo (BERMAN, 1986) e, como água, não fixa formas e escorre entre os dedos.Vozes acadêmicas, falares científicos calcados em referenciais da pesquisa quantitativa, considerada segura, estável dominaram os desenhos de horizontes para a produção tida como objetiva de conhecimentos. Nesse paradigma, ideias como as de afetos, de subjetividades se aproximariam de erros, confusões ou vieses que necessariamente implicam uma presença indesejável; quando muito, são enquadradas nos modelos estatísticos da objetividade. Predomina, nesses termos, uma ciência da razão, controlada e ágil que busca respostas rápidas aos problemas imediatos; ao mesmo tempo, esse modelo vem sendo provocado por novos olhares atentos à dinâmica das subjetividades fluidas, das afetividades que nos movem, dos tempos mais compassados necessários à compreensão das vivências interiores, dos pensamentos acerca da existência humana em suas singularidades.No que concerne à reflexão acadêmica acerca da alimentação, da comensalidade, esse horizonte complexo implica esforço de conjugação de perspectivas acadêmicas distintas de modo que esteja no centro das atenções a compreensão daquilo que nos afeta nas relações sociais, sem que necessariamente sejam descartadas outras construções do conhecimento. Não se trata de movimento simples. Tais (des)encontros entre razões e paixões são, frequentemente, carregados de tensões, de estranhamentos, são marcados por valores e julgamentos morais, tudo isso envolto nas nuvens que ganham feições de exercícios de hegemonia seja no âmbito da produção de saberes, da formação de pesquisadores e de docentes, seja no plano da formação voltada às práticas nas diversas formações profissionais em Saúde e nas Humanidades.Tal é o caso que pode ser observado na trajetória do campo nomeadamente reconhecido no Brasil na lida cotidiana como “Nutrição”, no qual desde seu nascedouro estão presentes as fortes marcas dos fundamentos da Biomedicina ao tomar nutrientes para atendimento de necessidades biológicas do corpo sadio ou em adoecimento como eixo central de suas atividades concretas e de seus pensares. Firmam-se nesse solo os estudos dirigidos à Fisiologia, à Bioquímica, entre outros que fluem no leito da Biologia Humana associados à Patologia, à Clínica ou a uma certa Teoria das Doenças. É aqui que se encontram algumas condições favorecedoras à constituição de ideias contemporâneas sobre as dietas, bem como, os ideais de cura, de saúde perfeita, de corpo jovem, magro e esbelto, nutricionalmente saudável. No mundo do consumo conformam-se assim referências ou parâmetros fundantes da beleza física que não apenas pode ser construída a partir daquilo que se come (uma alimentação saudável, entre outras medidas, evidentemente), mas que “deve” ser alcançada, sob as penas dos julgamentos morais vinculados a todos esses processos sociais. A título de exemplo, algumas frases bastante correntes no cotidiano ilustram tal perspectiva: “Com força de vontade, você vai perder peso!”, “No pain, no gain!”, “Essa dieta é para o seu bem!”, “Não é pela estética, é pela saúde!”, “Se você não se cuidar, a doença vai te pegar!” ou “Você ainda vai morrer disso....”. Culpa imputada e introjetada a pesar sobre indivíduos que têm obrigação com seu autocuidado situada em contexto bastante nebuloso, de relações sociais pouco compreendidas. Afinal, é nos comportamentos que se encontrariam as possibilidades modificáveis: está ao alcance do indivíduo fazer a dieta, manter regular atividade física, ingerir medicamentos e/ou suplementos nutricionais, seguir umas dicas, esforçar-se para atingir seus objetivos. Diferente é o caso de mudar governantes, governos, investir em ações que envolvem políticas econômicas, sistemas globais públicos e privados e similaridades concebidos, corriqueiramente, como alvos inatingíveis, ordenamentos sociais não modificáveis de imediato. Não podemos dizer que todo o domínio da “Nutrição” sente, pensa e age tal como assinalado acima, mas, com certeza, há chão para afirmar que tais orientações têm expressão bastante marcante nesse domínio da ciência.É aqui o caso de notar que, em suas origens, o campo da “Nutrição” no Brasil também operou deslocamentos desse foco intracorpóreo, clínico e individualizado para eventos situados no plano do ordenamento da sociedade, fincando seus pés no Estado e tomando a formulação e a gestão das políticas públicas como loci de construção de respostas ao perfil nutricional em associação aos agravos à saúde da população. Desde Josué de Castro (ano de nascimento e morte), entre outros médicos e estudiosos, o olhar para a população e seu estado de pobreza e insuficiências alimentares em período de industrialização do país desempenhou papel relevante na orientação de ações de governo que resultaram da na instituição de medidas de alcance populacional: o desenho de uma cesta básica de alimentos como referência para trabalhadores que passaram a contar com a Consolidação das Leis Trabalhistas, com um Salário Mínimo, entre outras medidas. Tais preocupações se situam no plano populacional e perduram até os dias atuais no desenvolvimento de estudos epidemiológicos que, juntamente com os resultados de pesquisas clínicas e da ciência biológica básica, vêm fornecendo informações tomadas em vários cenários para a construção de políticas públicas de alimentação e nutrição. Historicamente matizadas por tons mais assistencialistas, priorizando distribuição de alimentos aos mais necessitados, essas específicas políticas públicas de alimentação e nutrição passaram mais recentemente a investir em iniciativas associadas à garantia de renda mínima para famílias economicamente situadas abaixo da linha da pobreza e que também colocam em pauta questionamentos acerca da qualidade sanitária dos alimentos produzidos em larga escala e suas repercussões sobre a saúde dos indivíduos. Destacam-se nesse cenário o uso crescente de agrotóxicos na agricultura nacional e o consumo em forte incremento de produtos com elevados níveis de processamento oriundos da indústria de alimentos. O complexo formado pelo agronegócio e pela indústria de alimentos de alcance global vêm se tornando alvo de estudos críticos no campo alimentar-nutricional, ampliando seus horizontes analíticos nos planos da Economia Política.Esse par – Biomedicina e formulação/gestão de políticas públicas voltadas, centralmente, para a educação alimentar e nutricional da população– vem dominando o cenário acadêmico no campo da ciência nutricional e, sob a égide da objetividade numérica, da razão calculada, da precisão quantitativa, gerando conhecimentos, produtos, pesquisadores, docentes e profissionais, enfatizando sua utilidade instrumental e seguindo os imperativos da pesquisa “aplicada” em produção cada vez mais rápida, ágil e constantemente monitorada. Fica desenhado, assim, um cenário que remete ao encontro entre a razão sólida do modelo quantitativo de desenvolvimento e de apresentação dos estudos e a liquidez das instabilidades institucionais caraterizadas pelas crescentes fragilidades nas relações de trabalho e financiamento das atividades acadêmicas evidenciadas especialmente nos últimos anos no Brasil.Ao mesmo tempo, pesquisas voltadas para a alimentação na cultura, para as comensalidades, para o plano das subjetividades em face dos símbolos carreados pelos alimentos, para os sentidos que orientam os comensais vêm se colocando no interior do domínio da “Nutrição”. Uma parcela desses estudos expressa movimentos no sentido de colonização da cultura e das reflexões sobre a existência humana ao condicionar o foco dos esforços ao atendimento dos objetivos instrumentais balizados pela evitação, tratamento ou controle das doenças. Nesse processo, mobilizam as mesmas abordagens fundadas em análises estatísticas e alguns espaços restritos são até reservados para pesquisas qualitativas, subsumindo-as, contudo, aos objetivos das políticas de alimentação e nutrição da hora.Distintamente, insistem em colocar-se aquelas pesquisas situadas no lugar que reconhece o valor dos trabalhos acima aludidos, ao mesmo tempo em que buscam a ampliação e aprofundamento da compreensão de relações sociais mediadas pelos códigos sociais que os alimentos carreiam. Investem, portanto, em estudos sobre sentidos e significados das comensalidades, em iniciativas de produção de saberes envolvendo subjetividades, emoções e valores dos sujeitos em face do outro e da comida. Alarga-se por essa via os limites da “Nutrição” para uma nova denominação, a saber: “Alimentação e Nutrição”.A “Alimentação” que traz a marcas da inquietude diante da existência humana e onde firmam-se pesquisas na linha de pensar as narrativas midiáticas e – retomando a metáfora baumaniana – de refletir sobre as comensalidades líquidas como destacados partícipes na vida para o consumo. Investigações que, nesse correr pronunciado e fugidio dos registros midiáticos contemporâneos, mantêm seus focos nos diversos sentidos presentes no jogo social quando momentos de comensalidades são tomados para reflexão nas atividades acadêmicas. Um universo complexo a demandar sua compreensão a partir de olhares múltiplos, para além do domínio da saúde e buscando na Comunicação uma interlocução criativa e potencialmente iluminadora também das questões aqui em tela.Se na vida contemporânea o consumo se destaca na produção de subjetividades, estabelecendo como um forte pilar de sustentação à ordem global vigente, investir na pesquisa busca nos códigos sociais em trânsito os sentidos da existência é imperioso. Assim, pareceu-nos pertinente, oportuno e necessário apresentar um convite ao pensamento analítico em face das comensalidades quando presentes em mídias diversas. Cabe reiterar que a “Nutrição”, em geral, ignora a complexidade do fenômeno da alimentação e raramente conversa com o campo da Comunicação, restringindo os estudos sobre consumo à ingestão de alimentos, como se o consumo alimentar fosse da ordem de um sujeito fora da cultura e das relações sociais. Ou como se a cultura correspondesse a alguns regionalismos ou em concepções mais próximas do senso comum. A coletânea que apresentamos se inscreve nesse cenário no qual a dinâmica das estruturas e das contingências ordenam o chão onde a fome retorna com força a assombrar o cotidiano de inúmeras famílias brasileiras ao mesmo tempo em que é normatizada e espetacularizada nos “realities e shows da vida”. Ela desvela embates sociais que, expostos por meio de elementos banais do dia a dia (como o miojo ou cachorro quente de carrocinha de rua ou café da manhã presentes em narrativas fílmicas humorísticas ou em fotos que circulam nas redes sociais), estão a nos dizer de desigualdades, de distinções sociais, de concorrências no mercado e do hiperconsumo. El mercado va a utilizar valores sócio-culturales para construir um “comensal aislado” cuya principal característica sea consumir. Los médios de comunicación y sus representaciones son um campo fecundo para analizar las relaciones sociales que estan presentes em la dieta. O livro também destaca práticas alimentares através das quais emergem múltiplos imaginários e consumos e que traduzem a diversidade de olhares, identidades e pertencimentos à vida urbanizada. Na agitação entre visões de mundo, pequenos indícios, frases comuns, programas de TV, fotos postadas nas redes sociais trazem em si expressões desse jogo social cuja análise propicia ver além das relações econômicas que movem a sociedade do consumo em sua liquidez e revelar exercícios de poderes capilarizados nos interstícios das narrativas midiáticas.A coletânea conta com a presença de pesquisadores de instituições brasileiras, da Argentina, do Uruguai e de Portugal. Trata-se de obra que compõe a série Sabor Metrópole, coleção que vem desde 2013 aproximando alimentação e comunicação. A obra traz análises de fenômenos comunicativos e suas representações a partir de miradas críticas em torno de temas diversos e suas múltiplas interfaces buscando trazer à luz convergências, mas também, tensões, disputas e resistências sociais envolvendo diferentes saberes acerca da comida, da comensalidade e das subjetividades.Comensalidades em narrativa corresponde ainda ao sétimo livro publicado através da Rede Naus que juntamente com seus parceiros tem investido na valorização de conexões inovadoras entre temáticas diferenciadas e muitas vezes percebidas como alheias ao campo da Nutrição. Assim, nesta obra valorizamos a construção de novos objetos com vistas a agregar olhares inquietos sobre as comensalidades.A iniciativa interdisciplinar e internacional dessa obra envolve o Instituto de Estudios sobre la Ciencia y la Tecnología , da Universidad Nacional de Quilmes, na Argentina; o Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Interação e Cultura (LAMPE ) e o Núcleo de Estudos sobre Cultura e Alimentação (NECTAR ), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no Brasil. A proposta alinha-se à estratégia da REDE NAUS de incorporação de diferentes olhares sobre a alimentação e o corpo como caminho para ampliação e intercâmbio de ideias acadêmico-científicas que possibilitem uma abordagem mais abrangente sobre esses temas.